sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Ameaças à Mãe Terra e como enfrentá-las

  
Há quatro ameaças que pesam sobre a nossa Casa Comum e que exigem de nós especial cuidado.
A primeira é a visão pobre da Terra sem vida e sem propósito dos tempos modernos. Ela foi entregue à exploração impiedosa em vista do enriquecimento. Tal visão que trouxe benefícios inegáveis, acarretou também um desequilíbrio em todos os ecossistemas que provocaram a atual crise ecológico generalizada. Nesse afã foram eliminados povos inteiros como na América Latina, devastaram-se a floresta atlântica e, em parte, a Amazônia e o cerrado.
Em janeiro de 2015 18 cientistas publicaram na famosa revista Science um estudo sobre “Os limites planetários: um guia para um desenvolvimento humano num mundo em mutação”. Elencaram 9 dados fundamentais para a continuidade da vida. Entre eles estavam o equilíbrio dos climas, a manutenção da biodiversidade, preservação da camada de ozônio, e controle da acidificação dos oceanos entre outras. Todos os itens encontram-se em estado de erosão. Mas dois são os mais degradados, que eles chamam de “limites fundamentais”: a mudança climática e a extinção das espécies. O rompimento destas duas fronteiras fundamentais pode levar a civilização ao colapso.
Cuidar da Terra neste contexto significa que ao paradigma da conquista que devasta natureza devemos opor o paradigma do cuidado que preserva a natureza. Este cura as feridas passadas e evita as futuras. O cuidado nos leva a conviver amigavelmente com todos os demais seres e a respeitar os ritmos da natureza. Devemos, sim, produzir o que precisamos para viver, mas com cuidado e dentro dos limites suportáveis de cada região e com a riqueza de cada ecossistema. À Terra como baú de recursos devemos opor a compreensão atual da Terra como Grande Mãe e Gaia, super-organismo vivo.
A segunda ameaça consiste na máquina de morte das armas de destruição em massa: armas químicas, biológicas e nucleares. Elas já estão montadas e podem destruir toda a vida do planeta por 25 formas diferentes. Como a segurança nunca é total devemos cuidar para que não sejam usadas em guerras e que o mecanismos de segurança sejam cada vez mais severos.
À esse ameaça devemos opor uma cultura da paz, do respeito aos direitos da vida, da natureza e da Mãe Terra, a distensão e do diálogo entre os povos. Ao invés do ganha-perde, viver o ganha-ganha buscando convergências nas diversidades. Isso significa criar equilíbrio e gerar o cuidado.
A terceira ameaça é a falta de água potável. De toda água que existe na Terra apenas 3% é água doce, o resto é salgada. Destes 3%, 70% vão para a agricultura, 20% para a indústria e somente destes 0,7%, 10% vão para a dessetentação humana e animal É um volume irrisório o que explica que mais de um bilhão de pessoas vivem com insuficiência de água potável.
Cuidar da água da Terra é cuidar das florestas, pois são elas as protetoras naturais de todas as águas. Cuidar da água exige zelar para que as nascentes sejam cercadas de árvores e todos os rios tenham sua mata ciliar, pois são elas que alimentam as nascentes. Ocorre que mais da metade das florestas húmidas foram desmatadas, alterando os climas, secando rios ou diminuindo a água dos aquíferos. O que melhor podemos sempre fazer é reflorestar.
A quarta grande ameaça é representada pelo aquecimento crescente da Terra. Pertence à geofísica do planeta que ele conheça fases de frio e fases de calor que sempre se alternam. Ocorre que este ritmo natural foi alterado pela excessiva intervenção humana em todas as frentes da natureza e da Terra. O dióxido de carbono, o metano e outros gases do processo industrialista criaram uma nuvem que circunda toda a Terra e que retém o calor aqui em baixo. Estamos próximos a 2 graus Celsius. Com esta temperatura pode-se ainda administrar os ciclos da vida.
A COP21 de Paris do final de 2015 criou um consenso entre as 192 nações de fazer tudo para não chegar a dois graus Celsius tendendo a 1,5 o nível da sociedade pré-industrial. Se ultrapassar este a espécie humana estará perigosamente ameaçada.Pena que tais decisões não tenham valor legal mas sejam apenas voluntárias.
Não sem razão que os cientistas criaram uma nova palavra para qualificar nosso tempo: o antropoceno. Este configuraria uma nova era geológica, na qual o grande ameaçador da vida, o verdadeiro Satã da Terra, é o próprio ser humano em sua irresponsabilidade e falta de cuidado.
Outros aventam a hipótese segundo a qual a Mãe Terra não nos quereria mais vivendo em sua Casa. Arranjaria um modo de nos eliminar, seja por um desastre ecológico de proporções apocalípticas seja por alguma super-bactéria poderosíssima e inatacável, permitindo assim que as outras espécies não se sentissem mais ameaçadas por nós e possam continuar no processo da evolução.
Contra o aquecimento global devemos buscar fontes alternativas de energia, como a da biomassa, a solar e a eólica, pois a fóssil, o petróleo, o motor de nossa civilização industrial, produz, em grande parte, o dióxido de carbono. Devemos viver os vários êrres (r) da Carta da Terra: reduzir, reusar e reciclar, reflorestar, respeitar e rejeitar todo o apelo ao consumo. Tudo o que possa poluir o ar deve ser evitado, para impedir o aquecimento global.
Se não começarmos com mudanças substanciais o futuro comum Terra-Humanidade corre risco. Vivemos tempos de urgência e de irreversibilidade. A Terra nunca mais será como antes. Temos que cuidar para que as transformações que lhe temos introduzido sejam benéficas para a vida e não o seu holocausto.
Leonardo Boff é colunista do JB on line e escreveu Os direitos do corção. Paulus 2016

A Europa tornou-se refém dos bancos e da austeridade que alimentam populismos

O economista e jesuíta francês Gaël Giraud apresenta o seu último livro "Transição ecológica" e ataca todo o sistema financeiro: "Os governos democráticos devem retomar o poder". Ele adverte contra os riscos climáticos: "Os danos vão custar centenas de bilhões de euros". E aponta o dedo contra Berlim e Bruxelas por causa do "martírio da Grécia" e da insistência na austeridade: "Na Alemanha, as mesmas políticas abriram o caminho para o poder de Hitler".
A reportagem é de Giuliano Balestreri, publicada no jornal La Repubblica, 08-05-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A Europa é refém dos bancos. Da austeridade e dos burocratas ancorados "nos absurdos" parâmetros de Maastricht. Pior ainda, os cortes dos gastos públicos impedem a transição ecológica para uma sociedade pós-carbono: "Os bilhões poupados hoje não serão suficientes para cobrir os danos causados pelas catástrofes ambientais que eles não querem evitar".
Pensamentos e palavras de Gaël Giraud, economista francês, conselheiro pessoal – "mas pouco ouvido" – do presidente François Hollande, mas também sacerdote e jesuíta. Uma vocação que veio depois de um brilhante início de carreira em um banco de investimentos. Uma carreira tão veloz a ponto de atordoá-lo depois de lhe ter aberto os olhos sobre o sistema financeiro que ele define como "o bezerro de ouro dos nossos tempos. Ele no fascina, mas não nos sacia".
Para Giraud, a transição ecológica – que intitula o seu último livro, publicado em italiano pela Emi, Transizione ecologica – e o sistema bancário estão intimamente ligados por estarem em antítese, embora as finanças poderiam ser a chave para um um futuro melhor, "mas somente se os governos democráticos retomarem o poder".
Nota da IHU On-Line: Gaël Giraud, estará na Unisinos, nos dias 12 a 16 de setembro. Ela participará do IV Colóquio Internacional IHU Políticas Públicas, Financeirização e Crise Sistêmica, nos dias 13 e 14 de setembro. No dia 12, proferirá a conferência "O pensamento social da Igreja à luz do pontificado de Francisco". E nos dias 15 e 16 ministrará um curso na Escola de Gestão e Negócios da Unisinos.
Eis a entrevista.
A queda do petróleo está acelerando a transição, mas as motivações são apenas econômicas. O que vai acontecer quando o preço voltar a subir?
Do lado da demanda, na realidade, a queda do petróleo desacelerou a transição energética, porque desapareceram os incentivos para reduzir o seu consumo por parte das empresas. Este, portanto, seria o momento ideal para aumentar os impostos sobre os produtos petrolíferos, de modo a incitar os consumidores a serem mais virtuosos. Em vez disso, por um triste cálculo político de curto prazo, os governos europeus não se atrevem a tomar medidas.
Do lado da oferta, no entanto, a fraqueza do petróleo acelera a transição, porque muitas jazidas não são mais rentáveis: basta pensar em quantos locais de fracking fecharam nos Estados Unidos em um ano. E diversas dezenas de bilhões de euros de investimentos foram postergadas sine die: consequentemente, nos próximos cinco a 10 anos, a oferta de petróleo será mais baixa do que o previsto, e nós estaremos despreparados.
Você pensa em um futuro sombrio...
A miopia dos governos torna muito difícil o financiamento da transição ecológica e condena a economia mundial ao desastre. Se não investirmos hoje nas infraestruturas verdes de que precisamos para ir para uma economia pós-carbono, se o mundo não investir logo para se adaptar às dramáticas consequências da desregulação climática (da escassez de água potável às inundações das zonas cultiváveis), os países do Sul irão ao encontro de desastres humanitários durante uma década. E as centenas de milhares de migrantes que fogem para a Europa ainda por causa da seca síria de 2007-2010 se tornarão milhões.
Os países do Norte, no entanto, sem investimentos, não conseguirão sair da armadilha deflacionária em que estão caindo. Os mercados financeiros têm responsabilidades enormes no sofrimento dos pobres e das classes médias, e responsabilidades ainda maiores por aquilo que corremos o risco de viver nas próximas décadas.
A culpa é mais dos governos ou das instituições financeiras?
Os mercados financeiros ocupam um lugar desmedido nas nossas economias: basta pensar que a miopia de curto prazo dos mercados é capaz de destruir um país, fazendo explodir o custo de refinanciamento da sua dívida pública. É o caso da Grécia – por exemplo – para a qual a austeridade imposta para "agradar" os mercados (de modo a permitir que Atenas recebesse novos empréstimos) causou uma perda de 25% do PIB em cinco anos, o equivalente a uma guerra civil.
Voltaremos sobre o tema dos bancos e da austeridade, mas, enquanto isso, no que se refere ao ambiente, a COP21 parece demonstrar uma renovada vontade de mudar a situação. Você concorda?
A COP21é um imenso sucesso diplomático, mostra que a comunidade internacional – pouco a pouco – toma consciência da gravidade dos desafios climáticos e energéticos. Agora, porém, é preciso implementar as promessas feitas em Paris em dezembro, e, portanto, deve ser financiada a transição energética: da reestruturação dos edifícios para reduzir a dispersão térmica à mobilidade verde, passando pela redução das emissões por parte da indústria e da agricultura. Para um país como a Itália, tal plano custaria dezenas de bilhões de euros por ano: uma pequena soma, em comparação com os benefícios de longo prazo. Os danos da inércia seriam monstruosos.
Com o clima de austeridade que paira sobre o Velho Continente, parece impossível imaginar tais investimentos.
Hoje, o drama europeu é o da deflação. O Japão caiu nesse drama em meados dos anos 1990, depois da crise imobiliária de 1990, e são mais de 20 anos que o país está afundado na areia movediça, sem conseguir sair. Nós caímos nesse drama depois da crise financeira de 2007-2009, também por causa do excesso de endividamento privado. Os problemas da zona do euro certamente não são as dívidas: com uma média de 100% do PIB, ainda estamos em uma situação razoável (ao contrário dos Estados Unidos e do Japão), embora seja evidente que nem a Alemanha, nem a França, nem a Itália conseguirão jamais zerar as suas dívidas.
Mas o erro é justamente o de perseguir a austeridade das contas: é exatamente isso que não se deve fazer em caso de deflação. Em vez de melhorar a saúde de uma economia, o PIB cai mais rapidamente do que a dívida, de modo que a relação dívida/PIB continua aumentando. Vimos isso claramente na Grécia, a mártir da Europa. Porém, a história deveria ensinar alguma coisa, especialmente aos alemães, que já experimentaram a austeridade em 1930, quando a República de Weimar parecia em deflação. A política de cortes do chanceler Henrich Brunning levou Hitler ao poder três anos depois. Um cenário que poderia perfeitamente se repetir na Europa: quando nos afogamos em deflação, é muito difícil sair. Consequentemente, as classes médias se desesperam e acabam elegendo qualquer populista que promete um amanhã melhor. Vejam o que acontece na Áustria e na França.
A Grécia parece condenada pela burocracia europeia. Na sua opinião, quem são os verdadeiros responsáveis?
A situação atual é o resultado de um bloco ideológico dos burocratas de Frankfurt, Berlim, Bruxelas e Paris – que se contentam em aplicar regras neoliberais, sem se interrogar sobre a sua pertinência – e dos bancos. Muito cinicamente, o setor bancário tenta ganhar ainda um pouco de dinheiro antes da falência de Atenas. Por outro lado, não devemos nos esquecer de que o Banco Central Europeu é capaz de pôr um país de joelhos, cotando a liquidez dos seus bancos. E é isso que ele fez uma semana antes do referendo grego, com o objetivo de obter um voto favorável nas instituições europeias. Por sorte, o povo grego não cedeu, mas o governo Tsipras se rendeu. E enquanto a política continuar sob a chantagem dos bancos, estes vão continuar impedindo toda tentativa de sair da deflação.
A deflação, porém, é inimiga dos bancos.
Mas, para sair dela, o único caminho é o de uma política econômica expansiva, e, para colocá-la em prática, os governos democráticos devem retomar o poder das mãos dos bancos. Devemos, portanto, ir além dos absurdos parâmetros de Maastricht sobre o teto da despesa pública: o limite de 3% do déficit não tem nenhum fundamento científico, e nem a Alemanha tem uma dívida inferior a 60% do PIB. É uma simples convenção arbitrária de que devemos nos livrar. Mas, para nos livrar, é necessário um verdadeiro projeto político que substitua essa utopia de um governo burocrático com regras que, hoje, se encarnam na Troika e nos bancos.
Devemos conseguir nos coordenar em torno de um verdadeiro projeto de sociedade, tendo a coragem de colocar na prisão os banqueiros fraudulentos e obrigando os outros a trabalhar pelo interesse geral. Um dos poucos que se opuseram a esse sistema foi Matteo Renzi.
Você era crítico ao primeiro-ministro do Conselho italiano. O que mudou?
Até pouco tempo atrás, de fato, eu estava muito decepcionado: ele se limitava a implementar os velhos demônios do neoliberalismo, a partir do cancelamento do contrato de trabalho a tempo indeterminado até o fim do bicameralismo perfeito (tão precioso e necessário para a democracia italiana depois da catástrofe fascista).
Mas devo admitir que me surpreendeu felizmente o modo pelo qual ele tenta se opor ao ditado alemão e ao presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker. Espero que as ações de Renzi não sejam apenas "spacconate" [fanfarronices] e que ele continue contrapondo o bom senso à ideologia do eixo Bruxelas-Berlim. Devemos esperar que Renzi resista até o fim e não se renda como Tsipras.
Realmente, a separação dos bancos comerciais dos de negócio poderia resolver todos os problemas, reduzindo o seu peso político?
Os bancos são frágeis e fracos, mas ainda têm um poder enorme. Quando o comissário europeu, Michel Barnier, tentou aprovar uma lei de separação em nível europeu, ele se chocou com o lobby bancário. No entanto, o FMI acaba de reconhecer que 40% dos grandes bancos europeus não são sólidos: e, com efeito, eles têm orçamentos tão frágeis que faliriam ao menor choque financeiro. Hoje, eles só sobrevivem graças aos empréstimos com taxas negativas do Banco Central Europeu. Um choque como o de 2008 faria falir muitos bancos europeus de sistema com um custo de mais de um bilhão de euros de perdas no PIB por 2-3 anos.
Desse ponto de vista, Matteo Renzi tinha razão ao ficar com raiva quando Angela Merkel recusou-se a apoiar o projeto de garantia europeia dos depósitos: é um plano absolutamente necessário, porque nenhum país é capaz de garantir os depósitos dos seus cidadãos. Nem a Alemanha. Só a Europa inteira poderia ajudar um país cujo sistema bancário explode. Isso aconteceu na Irlanda e na Islândia. Como é possível fazer com que economias como a Alemanha, Itália ou França corram um risco desse tipo?
Desde a eclosão da crise, discute-se a regulamentação do setor, mas o assunto continua sendo um tabu.
Ao contrário do que se diz, regulamentar o mundo das finanças não é nada difícil. Bastaria alguma medida forte para tornar o mercado mais razoável: por exemplo, separar realmente as atividades bancárias comerciais das de investimento, retirando destas últimas a garantia implícita do Estado para deixá-la só sobre os depósitos; vetar as high frequency trading [negociações de alta frequência, as operações automáticas feitas pelos computadores] permitiria evitaria os riscos de deslizes irracionais dos mercados (50% das transações financeiras na Europa são realizadas por robôs); aumentar os impostos sobre as transações financeiras frearia as especulações e ajudaria os cofres dos Estados, sem reduzir a liquidez dos mercados; regulamentar o shadow banking é fundamental, porque o mundo bancário da sombra representa metade de todo o setor e é ainda mais perigoso do que a metade "em claro".
Como você concilia as suas posições econômicas com as de sacerdote? Você realmente acredita que o mundo das finanças pode se arrepender e encontrar o caminho certo?
O sacerdócio e a minha vida de jesuíta me ajudam a não me desesperar: eu continuo acreditando que os povos europeus são capazes de não ceder aos demônios antidemocráticos e que são capazes de sair da atração dos mercados financeiros. Por isso, eu acho que é necessário se dotar de um novo grande relato coletivo, de um projeto de sociedade. É desde os anos 1970 que falta um projeto para a Europa. E, consequentemente, como o povo judeu no deserto, eu acredito que os nossos pais foram afetados pelo pânico dos anos 1980 e confiaram as suas esperanças no bezerro de ouro e nos mercados financeiros, confiando que ele lhes garantiria prosperidade.
No livro do Êxodo, Moisés faz derreter o bezerro de ouro e obriga os judeus a beber o ouro derretido, para lhes demonstrar que o ouro não sacia. Por isso, nós devemos nos dar conta de que os ativos financeiros não saciarão ninguém. Assim que sairmos desta fase, poderíamos reconstituir a grande recitação escatológica capaz de dar novamente aos europeus a força para avançar rumo à terra prometida de uma sociedade pós-carbono. A Igreja deve contribuir com a construção dessa recitação. E é isso que faz a encíclica Laudato si'.
As finanças podem se redimir?
É uma resposta que pertence apenas ao mistério da graça misericordiosa de Deus!
Veja também:

Por uma “Ciência Convivial”. A importância da agroecologia, uma alternativa à agricultura convencional. Entrevista especial com Ulrich Loening

"Uma planta que cresce em seu ambiente natural com uma alimentação equilibrada é resistente a pragas e doenças, porque os organismos causadores de doenças não terão facilidade em obter os nutrientes de que precisam. Essa é a base da trofobiose", afirma o bioquímico.

Para o professor doutor em Bioquímica Ulrich Loening, desde que o ser humano vislumbrou a revoluções agrícolas de 10 mil anos atrás, a agricultura tem perturbado ecologias locais, e agora com intensidade ainda maior”, pontua. Por isso, defende a necessidade de se romper essa lógica, estimulando formas de produções que respeitem as mais diversas ecologias do planeta. É o que o professor enfatiza ao destacar, por exemplo, que “métodos de agroecologia visando manter o húmus e os organismos do solo constituem a característica crucial da abordagem proposta”. Ou seja, uma nova relação com a terra, com a produção.
necessidade de grandes produções agrícolas, a Terra começou a ser alterada. “Desde as primeiras
Entretanto, na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Loening problematiza esse rompimento de paradigma, que vai além da introdução de outras técnicas de produção agrícola. Para ele, a questão de fundo a ser atacada é cultural. “Passa a ser uma mudança na cultura social, um modo de vida que procura não subjugar a natureza”, explica. Parece simples, mas essa sua abordagem muda a perspectiva que se tem hoje com relação, por exemplo, à ciência.
“A ciência aplicada sobre a qual nossa civilização está construída, tem raízes culturais profundas. Agora, para resolver como, onde e se os humanos poderão viver na Terra, é necessária uma atitude científica nova e culturalmente diferente”, defende. Assim, chega à sua formulação de “uma ciência que cria tecnologias ecologicamente apropriadas, que promove a relação de convívio da sociedade com a natureza, que pode ajudar a superar a antipatia de muitas pessoas contra a ciência e, acima de tudo, que pode criar uma relação mais convivial entre os seres humanos e a natureza”. É a sua “Ciência Convivial” como nova forma de apreender as ecologias do planeta.
Ulrich Loening é membro do Conselho de Administração do Centro de Ecologia Humana (Centre for Human Ecology), em Edimburgo, na Escócia. Em 1984, presidiu a entidade e se aposentou em 1995. É doutor em Bioquímica pela Universidade de Oxford, na Inglaterra. Dedicou-se ao ensino e pesquisa sobre a síntese de proteínas e ácidos nucleicos, nos Departamentos de Botânica e Zoologia, na Universidade de Edimburgo até o final da década de 80.
Ele desenvolveu vários métodos de eletroforese para análise de RNA (em Biologia, o ácido ribonucleico - sigla em português: ARN e em inglês, RNA, ribonucleic acid - é o responsável pela síntese de proteínas da célula) e seu processamento e transporte para o citoplasma e confirmou a ideia emergente que cloroplastos de plantas evoluíram a partir de simbiose com algas verde-azuladas - engenharia genética natural. Se diz um interessado por história natural, jardinagem e agricultura desde criança. Por isso, acredita que se envolveu com estudos e pesquisas sobre impactos ecológicos da sociedade.
Confira a entrevista.

IHU On-Line - No que consiste o conceito de agroecologia? O que revela enquanto modo de vida, para além de sistema ou técnica de produção no campo?
Ulrich Loening - Agroecologia é a filosofia e a prática da agricultura que leva em conta a forma como a granja ou fazenda se encaixa na ecologia da região. Em contraste com a agricultura convencional, que tem, na prática, ignorado ou atalhado processos naturais, a agroecologia tenta aproveitar processos naturais para produzir alimentos para os seres humanos. Ela enverga o ecossistema local em favor dos seres humanos, porém não muito. Por isso, passa a ser uma mudança na cultura social, um modo de vida que procura não subjugar a natureza.
IHU On-Line - Como compreender a relação entre o solo e a produção agroecológica? De que forma é possível tratar o solo enquanto organismo vivo, preservando as inúmeras formas de vida que nele existem e desenvolver a produção agrícola?
Ulrich Loening - Quase se poderia inverter essa pergunta: como conseguirá persistir a agricultura convencional com grande utilização de fertilizantes e pesticidas, tendo em vista que ela tem causado perda contínua de solos e fertilidade? Já desde as primeiras revoluções agrícolas de 10 mil anos atrás, a agricultura tem perturbado ecologias locais, e agora com intensidade ainda maior. Métodos de agroecologia visando manter o húmus e os organismos do solo constituem a característica crucial da abordagem proposta.
Mudança na estrutura econômica
A produção seria mais sustentável desenvolvendo métodos de agroecologia, mas é preciso reconhecer que, no frigir dos ovos, mesmo com essa mudança de matriz produtiva, talvez não seja possível alimentar a população humana, que vem crescendo muito. Já agora, a demanda por alimento no mundo é muito maior do que a agricultura convencional consegue atender. Ainda não estamos em estado de crise, já que alimento suficiente vem sendo produzido para alimentar todos, e muitos mais. O problema no momento é a distribuição precária e a pobreza. Isso exige primeiro uma mudança nas estruturas econômicas, e essa mudança por si mesma já poderia incentivar a agricultura mais sustentável e ecologicamente sadia.
IHU On-Line - De que forma é possível fazer controle de pragas, desde insetos até ervas daninhas, e produzir alimentos saudáveis apenas trabalhando o manejo do solo? É nisso que se apoia a Teoria da Trofobiose? Que outras perspectivas a Teoria abre?
Ulrich Loening - Uma planta que cresce em seu ambiente natural com uma alimentação equilibrada é resistente a pragas e doenças, porque os organismos causadores de doenças não terão facilidade em obter os nutrientes de que precisam. Essa é a base da trofobiose, termo inventado por Chaboussou [1] em seu livro de 1985 [2]. Mas a agricultura de acordo com a trofobiose não consegue inibir as ervas daninhas. Afinal de contas, ervas daninhas são apenas aquelas plantas que nós, incidentalmente, não desejamos, e a natureza não pode distinguir o que nós casualmente queremos colher. A interpretação da trofobiose destaca o quanto nossos métodos agrícolas convencionais, pelo menos desde meados do século 19, se baseiam em insumos químicos que substituem as formas como as plantas se nutrem.
IHU On-Line - Em que medida a compreensão das formas de vida contidas no solo (visto como um espaço micro de todo o planeta) pode contribuir com o entendimento mais amplo da biologia humana?
Ulrich Loening - Após dois séculos em que começamos a compreender a ciência da agricultura, só recentemente é que se está começando a reconhecer o significado da enorme diversidade da vida no solo. Esta nova compreensão começou com a descoberta das micorrizas na década de 1880, fungos que crescem em torno ou dentro de raízes de plantas e liberam nutrientes minerais para a planta, a qual, em troca, fornece alimento para os fungos.
Este é o maior sistema simbiótico do mundo e é provável que a vida vegetal na terra não poderia ter evoluído sem ele. Agora percebemos que milhões de micro-organismos do solo, desconhecidos em sua maioria, também ajudam as plantas a crescer de forma saudável. Esse diversificado ecossistema do solo, que tem sido comparado às complexidades de uma floresta tropical, também afeta diretamente a saúde humana. De modo semelhante, nosso sistema gastrointestinal também contém um vasto "bioma", consideravelmente influenciado de fora.
IHU On-Line - Quais os desafios para se romper com uma forma de relação mercantil entre o ser humano e a terra, que se materializa da agricultura baseada no modelo de agronegócio, e propor uma relação mais ecologicamente integral, valorizando as pequenas propriedades e produção mais limpa?
Ulrich Loening - Assim que algo é bem-sucedido, tende a fixar-se e continuar com seu próprio sucesso. Até mesmo o avanço da civilização exige que formas exitosas de vida sejam passadas de geração em geração. Apenas quando o sucesso ultrapassa seus limites num pequeno planeta, surgem problemas. É difícil alterar a maneira como pensamos, uma vez instalados o mito de Prometeu [3] de obter o fogo (poder) do céu e a atitude baconiana [4] que lançou a ciência ocidental ("conhecimento é poder"). Surge a necessidade de mudança em direção a uma relação ecológica. Eu vejo isso como desafio fundamental por excelência.
Em nível mais prático, as pequenas propriedades ("small is beautiful" – o pequeno é lindo) são parte da resposta e, atualmente, continuam sendo as que produzem a maioria dos alimentos que realmente chegam à mesa. Mas as pequenas propriedades também precisam ficar intimamente conectadas com sua situação ecológica, em vez de combatê-la. Elas precisam basear-se em ciclagem de materiais, com estreitos laços dos seres humanos com a granja, que permitem o cultivo "dedo verde". O/A agricultor/a, suas ferramentas e métodos, e o entorno, todos são parte do ecossistema local. Uma relação comercial de grande porte não consegue fazer justiça a esse fato, e assim torna-se insustentável.
IHU On-Line - Qual o papel dos governos no estímulo à agroecologia? Como avalia o desempenho de organizações civis, como cooperativas, da promoção desse estilo de vida e produção agroecológica?
Ulrich Loening - Políticos em geral não entendem de ecologia humana, talvez nem o consigam. Eles operam baseados no princípio de que sistemas financeiros eficazes no curto prazo conseguem satisfazer nossos desejos, e partem do princípio de que se algo parece bom, então mais do mesmo deve ser melhor. Mas nosso mundo, superlotado desse princípio, perde sua validade, empresas gigantescas do agronegócio rompem as ligações ecológicas e sociais que as pequenas propriedades produtivas podem ter.
A política da maioria dos governos e federações, como os Estados Unidos e a União Europeia, tem sido a de incentivar positivamente grandes fazendas, grandes empresas de suprimentos e cadeias alimentares mais longas e mais complexas. Tais políticas só podem levar a um distanciamento maior em relação às realidades ecológicas. Isso, por sua vez, faz com que empresas, mais do que os governos, governem o mundo e determinem as políticas a serem seguidas. Vemos isso agora nas negociações (a portas fechadas) para o TTIP [5], acordo de comércio internacional proposto entre a União Europeia e os Estados Unidos, que ameaça incentivar grandes corporações no sentido de controlar as políticas nacionais distantes.
Os governos têm, claramente, um papel primordial de impedir isso, assim como eles normalmente não têm deixado que monopólios interfiram no livre comércio. Provavelmente alguma forma de protecionismo é necessária, que permita desenvolvimentos locais livres de interferência externa. Obviamente este argumento econômico tem implicações sociais diretas. A liberdade individual de escolha é reprimida por grandes corporações, assim como tem sido reprimida por ditaduras totalitárias, em algumas partes do mundo.
IHU On-Line - A continuidade e crescimento da civilização pode ser compatível com a sustentabilidade ecológica global? Como articular a ideia local de sustentabilidade com a causa global?
Ulrich Loening - Esta foi a questão abordada e até certo ponto respondida pelo Relatório sobre os Limites do Crescimento elaborado para o Clube de Roma em 1972 [6]. A resposta é que não, que se continuarmos business as usual, chegaremos a um impasse. À medida que a civilização evolui, ela também precisa desenvolver-se no sentido de "adequar suas ações aos padrões da natureza", como indicou a Comissão Brundtland [7] em suas declarações de abertura em 1987. A próxima grande ideia social e científica trataria de tornar a civilização compatível com as realidades planetárias [8]. Resolver essa contradição exige uma visão global com ação local, coisa difícil de se conseguir, que em si precisa evitar o sofrimento causado pelas falhas das grandes corporações. Mas agora podemos ver novas atitudes emergindo, com grande número de pessoas da maioria dos países ansiando por melhorias.
IHU On-Line - Quais os impactos das diferentes civilizações tecnológicas nas formas de vida do planeta? Como isso repercute na agricultura?
Ulrich Loening - É notável que a "ciência" no sentido moderno surgiu na Europa, e não na China, apesar de sua antiga civilização, nem em países budistas, embora Buda [9] tenha aconselhado que "nada vem de mão beijada". Agora, esta atitude científica inicialmente europeia passou a permear o mundo inteiro. Talvez seja o momento de a Europa mais uma vez desencadear um novo Esclarecimento [ou Iluminismo] cultural/científico. Diferentemente de outros tempos, pode-se procurar soluções e sabedoria entre povos menos aculturados, cuja cultura tenha sobrevivido em alguns lugares. O conceito de "The Way" [10] (livro de Edward Goldsmith [11]), visando desenvolvimento com equidade social e ecológica de antigas raízes, pode fornecer um ethos para uma nova síntese.
IHU On-Line - No que consiste a ideia de “tecnologia apropriada” e qual sua relação com as formas de vida integrais, como a agroecologia?
Ulrich Loening - Tecnologia apropriada muitas vezes tem sido confundida com a "tecnologia intermediária" preconizada por Schumacher [12]. Eu considero apropriado aquilo que se adéqua à situação. Excelente exemplo são tecnologias que aproveitam energia do ambiente, que em última análise emana do sol e continua emanando, quer a usemos ou não. Se cobrirmos nossas necessidades de energia a partir desse fluxo, então é apropriado. Da mesma forma, a agricultura que se encaixa nos ciclos da natureza (e não apenas nas estações do ano, mas nos fluxos materiais e biológicos) conseguirá atuar e funcionar de forma sustentável. Nossa oferta de alimentos deve vir dos fluxos de nutrientes e organismos ao longo do ecossistema, causando o mínimo possível de diferenças, sejam usados ou não.
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
Ulrich Loening - Sim! Se somar tudo que argumentei acima, e outros estudos não incluídos aqui, você só pode chegar a uma conclusão: que a ciência aplicada sobre a qual nossa civilização está construída tem raízes culturais profundas. Agora, para resolver como, onde e se os humanos poderão viver na Terra, é necessária uma atitude científica nova e culturalmente diferente. Eu não quero dizer um método científico novo ou diferente, porque é autocriado pelo senso comum lógico, mas uma nova abordagem sobre a forma de aplicar a ciência e sobre sua motivação. Eu gosto de promover um nome para esta nova ciência: "Ciência Convivial". Deriva de “con-vivo”, que significa "com vida" [sic]. Ciência Convivial pode ser usada em muitos sentidos: é uma ciência que cria tecnologias ecologicamente apropriadas, que promove a relação de convívio da sociedade com a natureza, que pode ajudar a superar a antipatia de muitas pessoas contra a ciência, e, acima de tudo, que pode criar uma relação mais convivial entre os seres humanos e a natureza.
Por João Vitor Santos | Tradução Walter O. Schlupp

Os retrocessos no Semiário Brasileiro


Vários retrocessos vieram junto com o governo interino desde o primeiro dia. Um ministério do tempo do Brasil Império – só homens de bens e brancos, sem negros, mulheres e indígenas -, o anúncio do corte na saúde, na educação, encolhimento do SUS, desvinculação do salário dos aposentados em relação ao salário mínimo, eliminação do MINC, daí prá frente.

Dentre esses retrocessos os que mais impactam o Semiárido são o da educação, saúde e a desvinculação do salário mínimo, do qual dependem aproximadamente 100 milhões de brasileiros.

Porém, há retrocessos que o Brasil em geral não vê, a não ser nós que moramos por aqui, na busca de vida melhor para a população nordestina que sempre esteve à margem dos avanços brasileiros.

O paradigma da “convivência com o Semiárido”, ganhou carne com os programas “Um Milhão de Cisternas” (P1MC) e o Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), da ASA. O primeiro visando a captação da água de chuva para beber e o segundo para produzir.

Em aproximadamente 15 anos 1 milhões de famílias recebeu a cisterna para beber e cerca de 160 mil famílias uma segunda tecnologia para produzir. É lindo, até emocionante, quando em plena seca vemos espaços tomados de verde com hortaliças ao redor de uma cisterna de produção. Essas tecnologias ainda teriam que ser replicadas ao milhões para garantir a água para beber e produzir, ofertada gratuitamente pelo ciclo das chuvas.

Junto com esses programas veio a expansão da infraestrutura social da energia, adutoras simples, telefonia, internet, melhoria nas habitações rurais, estradas, etc.

A valorização do salário mínimo e o Bolsa Família injetaram dinheiro vivo nos pequenos municípios, movimentando o comércio local, o maior beneficiário desses programas.

Houve também contradições profundas, como a opção pela mega obra da Transposição de Águas do São Francisco ao contrário de adutoras simples e a implantação das cisternas de plástico por Dilma no seu último governo. Além do mais, ela estava encerrando o programa de cisternas para beber, alegando que já tinha atingido o número de famílias necessitadas.

Detalhe, o ministro para o qual ela liberou as cisternas de plástico, orientou o filho para votar contra ela na Câmara dos Deputados e agora ele é ministro das Minas e Energia.

Mas, esse avanço pressupôs a organização da sociedade civil articulada na ASA e a chegada ao poder de governos estaduais menos coronelísticos e corruptos. Sobretudo, supôs o apoio do governo federal a esses programas da sociedade civil.

Acabou. Se perguntarem ao atual presidente onde fica o Semiárido Brasileiro, é provável que ele diga que fica no Marrocos. Como não tem base na região, vai entrar pelas mãos dos velhos coronéis ou de seus descentes.

Não é possível destruir a infraestrutura construída. Ela tornou o Semiárido melhor, sem fome, sem sede, sem migrações, sem mortalidade infantil. Mas, há muito ainda a ser construído para não haver mais retorno ao ponto da miséria. Uma delas é a geração de energia solar de forma descentralizada, a partir das casas. Dilma não quis dar esse passo.

Os velhos problemas poderão voltar? No que depender das políticas públicas federais, sem dúvida nenhuma. Quem está no poder não enxerga o Semiárido.

Tempos estranhos, quando setores da sociedade brasileira preferem retroceder aos tempos da miséria total e parte da população se alegrar com esses retrocessos.

Seminário Desenvolvimento em Disputa | Transição: como passar a um outro modelo de desenvolvimento

17/05/2016
Confira a seguir a primeira mesa do Seminário Desenvolvimento em Disputa: Por uma economia a serviço da vida, cujo tema foi "Transição: como passar a um outro modelo de desenvolvimento?".
Promovido por Abong e Iser Assessoria em parceria com a Frente Parlamentar Ambientalista e a Frente Parlamentar em Defesa das Organizações da Sociedade Civil, o evento aconteceu em Brasília (DF) nos dias 17 e 18 de novembro de 2015 a fim de discutir o modelo atual de desenvolvimento e propor paradigmas alternativos que tenham as exigências ecológicas como elemento central.

Em cinco mesas, o Seminário discutiu alternativas transformadoras para temas fundamentais de nossos dias, como a questão da energia, o uso racional da água, a reinvenção da democracia e a superação do modelo produtivista/consumista de nossa economia. São todos temas centrais no debate desenvolvido pelas organizações e movimentos da sociedade civil em busca de alternativas para o atual paradigma de desenvolvimento.

Compuseram a primeira mesa de debate Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental (ISA); Ivo Lesbaupin, da Abong e Iser Assessoria; e deputado Nilto Tatto, presidente da Frente Parlamentar em Defesa das Organizações da Sociedade Civil.

Assista ao debate da primeira mesa na íntegra a seguir.


Para além da métrica do carbono

09/05/2016

BERLIM – Ao longo dos últimos dez anos, as "alterações climáticas" tornaram-se quase sinônimo de "emissões de carbono". A redução dos gases com efeito estufa na atmosfera, medidos em toneladas de "dióxido de carbono equivalente" (CO2e), tornou-se o objectivo primordial na procura da preservação do planeta. No entanto, não é concebível que uma abordagem tão simplista consiga resolver as crises ecológicas altamente complexas e interligadas que enfrentamos atualmente.
O foco quase exclusivo da política ambiental global na "métrica do carbono" reflete uma obsessão mais profunda relativa à mensuração e à contabilização. O mundo rege-se por abstrações (calorias, quilômetros, quilogramas, e agora toneladas de CO2e) que são aparentemente objetivas e confiáveis, especialmente quando incorporadas na linguagem "especializada" (frequentemente no domínio da economia). Consequentemente, tendemos a ignorar os efeitos da história de cada abstração e as dinâmicas de poder e política que continuam a moldá-la.
Um exemplo-chave de uma poderosa e algo ilusória abstração global é o produto interno bruto (PIB), que foi adoptado como a principal medida de desempenho e desenvolvimento econômico de um país após a Segunda Guerra Mundial, quando as potências mundiais se dedicavam à criação de instituições financeiras internacionais que deveriam refletir o poder econômico relativo de cada Estado membro. No entanto, atualmente o PIB tornou-se uma fonte de frustração generalizada, uma vez que não reflecte  a realidade da vida das pessoas. À semelhança da luz alta dos faróis de de um carro, as abstracções podem iluminar muito, mas podem igualmente tornar invisível aquilo que seu feixe de luz não alcança.
Ainda assim, o PIB continua a ser, de longe, a medida dominante da prosperidade econômica, refletindo a obsessão relativa à universalidade que acompanhou a expansão do capitalismo em todo o mundo. Os pensamentos complexos, matizados e qualitativos e que refletem as especificidades locais não são tão atrativos quanto as explicações lineares, abrangentes e quantitativas.
Quando se trata de alterações climáticas, esta preferência traduz-se no apoio determinado a soluções que reduzem ligeiramente as emissões “líquidas” (net, em inglês) de carbono - soluções que podem ser um obstáculo a grandes transformações econômicas ou comprometer a capacidade das comunidades para definir problemas específicos e criar soluções adequadas. Esta abordagem remonta à Cúpula da Terrarealizada no Rio de Janeiro, em 1992, onde a política em matéria de clima entrou numa via acidentada e violenta de alternativas esquecidas. Ao longo dos últimos 25 anos, foram cometidos, pelo menos, três erros críticos.
Em primeiro lugar, os governos introduziram a unidade de cálculo CO2e para quantificar de forma coerente os efeitos de gases com efeito de estufa distintos, como o CO2, o metano e o óxido nitroso. As variações entre estes gases (em termos do seu potencial de aquecimento, do tempo que permanecem na atmosfera, dos pontos onde são emitidos e da forma como interagem com os ecossistemas e as economias locais) são consideráveis. Uma única unidade de medida simplifica a questão de forma considerável, dando aos decisores políticos a possibilidade de prosseguirem com uma solução global destinada à concretização de um objetivo primordial específico.
Em segundo lugar, a cúpula da ONU sobre as alterações climáticas destacou as técnicas“de fim-de-linha” (métodos que visam a jusante a remoção dos contaminantes da atmosfera). Isso permitiu aos decisores políticos desviar a atenção do objetivo mais desafiador do ponto de vista político, o de limitar, em primeiro lugar, as atividades que produzem tais emissões.
Em terceiro lugar, os decisores políticos decidiram concentrar-se nas emissões “líquidas”, considerando os processos biológicos que envolvem solos, plantas e animais em conjunto com os processos associados à combustão de combustíveis fósseis. À semelhança das instalações industriais, os arrozais e os bovinos foram considerados como sendo fontes de emissões, e as florestas tropicais, as plantação de monocultivos florestais e os pântanos como sumidouros de emissões. Os decisores políticos começaram a procurar soluções que envolviam a compensação das emissões no exterior ao invés da sua redução no próprio país (ou na fonte).
Em 1997, ano em que o Protocolo de Quioto foi adotado, uma “maior flexibilidade” estava na ordem do dia e o comércio de certificados de emissões (ou licenças para poluir) foi a opção política privilegiada. Decorridas quase duas décadas, o esforço para compensar as emissões não se consolidou apenas na política em matéria de clima, tendo chegado também ao debate mais abrangente em matéria de política ambiental.
Novos mercados para os chamados “serviços ecossistêmicos” (ou serviços ambientais) estão surgindo em todo o mundo. Por exemplo, as medidas de compensação de zonas úmidas nos EUA constituem um dos mais antigos mercados desta natureza, implicando a preservação, melhoria ou criação de, por exemplo, uma zona úmida ou de um curso de água que “compensa” os impactos adversos de um projecto em um ecossistema semelhante situado em outro lugar. Para tanto, são emitidos certificados que podem se comercializados. Os regimes de compensação relativa à biodiversidade funcionam quase da mesma forma: uma empresa ou uma pessoa individual pode comprar “créditos de biodiversidade” (cujo produto é utilizado para apoiar a conservação da floresta) para compensar a sua pegada de carbono.
Se estes regimes parecem um pouco convenientes demais, é porque o são. De fato, esses têm por base o mesmo conceito errado do comércio de emissões e, em alguns casos, traduzem (ou equivalem) efetivamente a biodiversidade e os ecossistemas em CO2e. Em vez de alterar o nosso sistema econômico de modo a ajustá-lo aos limites naturais do planeta, estamos a redefinir a natureza para adaptá-la ao nosso sistema económico e, nesse processo, acabamos por descartar outras formas de conhecimento e alternativas reais.
Atualmente, na sequência da Conferência das Partes (COP21) sobre as alterações climáticas, realizada em Paris, o mundo está prestes a evoluir novamente no mau sentido, ao aprovar a ideia de “emissões negativas”, que pressupõe que as novas tecnologias serão capazes de remover CO2 da atmosfera. Contudo, estas tecnologias ainda não foram inventadas, e mesmo que o tivessem sido, a sua implementação seria extremamente arriscada.
Em vez de propormos soluções comprovadas (deixar os combustíveis fósseis no subsolo, fazer a transição da agricultura industrial para a agroecologia, criar economias que não gerem resíduos e restaurar os ecossistemas naturais), contamos com uma inovação milagrosa para nos salvar, um deus ex machina, no momento oportuno. A insensatez desta abordagem deveria ser óbvia.
Se a métrica do carbono continuar a moldar a política em matéria de clima, as novas gerações apenas conhecerão um mundo com restrições às emissões de carbono e, se tiverem sorte, com baixas emissões de carbono. Em vez de prosseguir em uma visão tão simplista, devemos procurar estratégias mais ricas destinadas a transformar os nossos sistemas econômicos para trabalhar no - e com - o nosso ambiente natural. Para tanto, é necessária uma nova forma de pensar que estimule o compromisso ativo de recuperar e conservar os espaços onde as abordagens alternativas podem crescer e florescer. Não será fácil, mas valerá a pena.
Tradução: Teresa Bettencourt
Fonte: Project Syndicate

Discutir as cidades, sem perder tempo

09/05/2016


"Quando se discutem esses temas, um dos primeiros embaraços está no problema de 40% dos domicílios urbanos brasileiros não estarem conectados a redes de esgotos; e dos esgotos coletados, nem metade é tratada", escreve Washington Novaes, em artigo publicado por O Estado de S. Paulo, 01-04-2016.






Eis o artigo.

Só pode ser bem-vinda a realização nesta semana, em São Paulo, do evento “Caminhos para as cidades”, já que estimativas calculam em 30% a população de zonas urbanas brasileiras que só se desloca a pé todos os dias e consome para isso mais de uma hora e meia, em média, nas maiores cidades. Para essa parcela e para deficientes físicos que se deslocam em cadeiras de rodas a situação e as regras da “caminhabilidade” são decisivas.

Um dos caminhos em discussão é o uso de aplicativos para registrar problemas como buracos, postes mal sinalizados, calçadas muito estreitas, rampas de saída de garagens, degraus e outros obstáculos que impedem ou dificultam a mobilidade de quem se move a pé ou em cadeiras de rodas, assim como problemas nas áreas de seguranças, sinalização e outros – de modo a orientar ações públicas. Só na Região Metropolitana de São Paulo, com 20,9 milhões de habitantes (Unicamp, 22/3), registram-se diariamente 43,7 milhões de deslocamentos. Isso pode ser traduzido para cerca de 15 milhões de deslocamentos por pedestres.

E embora praticamente não se ouça falar de macroplanejamentos para essas questões, a Prefeitura de São Paulo tem mencionado um “novo zoneamento” para a cidade que permita em certas áreas altura máxima de 40 metros (14 andares) para prédios que hoje só podem ter, no máximo, 28 metros (8 andares). Uma “ideia aloprada”, como qualificou editorial deste jornal (2/3, A3). Da mesma forma que poderia ser qualificada a tese lançada pelo prefeito de “derrubar o Minhocão” ou de fechá-lo por um , dois ou três meses para verificar a “resposta de pedestres e condutores de veículos” (18/3, A3).

Vai-se considerar, por exemplo, ao discutir a expansão urbana, que São Paulo tem hoje mais de 2 milhões de metros quadrados em imóveis sem uso – um número equivalente a duas Heliópolis, como lembrou este jornal (22/3)? Ou ainda que 15 bairros da cidade “encolhem” há duas décadas, por motivo variados (Folha de S.Paulo, 27/3)? Como se pretende encarar as duas questões? Trabalho recentemente discutido na Universidade de Campinas (24/3) por Aparecido Soares da Cunha tratou da tese de que São Paulo, Rio de Janeiro, Santos, Campinas e as cidades do Vale do Paraíba tendem a formar um grande e único aglomerado .

Quando se discutem esses temas, um dos primeiros embaraços está no problema de 40% dos domicílios urbanos brasileiros não estarem conectados a redes de esgotos; e dos esgotos coletados, nem metade é tratada. Grande parte das fezes humanas produzidas (15 milhões de toneladas/ano) vai ser despejada em rios. Segundo o IBGE, menos de 50% dos municípios dispõem de sistemas de coleta e tratamento eficientes, que recebem cerca de 400 mil metros cúbicos diários. O déficit é enorme: pode-se lembrar que cada ser humano gera 200 gramas diários de fezes, total de cerca de 40,8 mil toneladas diárias. Só que apenas 40,8% dos esgotos são tratados, segundo o Ministério do Meio Ambiente (24/3). O restante – esgotos coletados, mas não tratados – vai, juntamente com os esgotos não recolhidos pelo sistema, poluir os cursos d’água.
Pouco se faz também ou se planeja para enfrentar o alto nível de poluição do ar nas zonas urbanas – muito acima do máximo recomendado pela Organização Mundial de Saúde –, principalmente por causa de combustíveis usados em mais de 80 milhões de veículos que já circulam. E agora, apesar da recessão, planeja-se para este ano a venda de mais 1,68 milhão de novos veículos – no ano passado foram vendidos 2,56 milhões; em 2012, mais de 3,8 milhões (Estado, 5/3).

O problema das águas torna-se ainda mais grave quando se lembra a advertência do Programa Hidrológico Internacional: se nada for feito para conter a crise que já está aí, teremos uma queda de 20% no suprimento mundial de água potável, com uma progressão sempre que se registrar o aumento de um grau Celsius na temperatura mundial. Menos água e mais poluída. E ainda continuamos desperdiçando 36,4% da água disponível no País. A principal causa – encanamentos velhos – ocorre antes mesmo de a água chegar às casas e a outros consumidores. Uma consulta pública está em andamento sobre o Plano Nacional de Recursos Hídricos para 2016-2020, que se debruçará também sobre a gestão adequada de metais pesados – para evitar problemas na água e no ar –, assim como sobre a segurança de barragens. E ainda sobre a dessalinização de água no Semiárido brasileiro, que já beneficia mais de 480 mil pessoas.

É preciso lembrar igualmente a questão dos resíduos. Segundo a associação das empresas de limpeza (Abrelpe), no ano passado foram coletados 164 milhões de toneladas (pouco mais de 450 mil por dia), quando outras estimativas de produção de lixo domiciliar têm sido de cerca um quilo por dia por pessoa – o que significaria mais de 200 mil toneladas diárias. Mas grande parte disso vai para mais de mil lixões no País todo. Brasília, a capital da República, tem um dos maiores, próximo da Esplanada dos Ministérios e da sede do governo distrital. O Congresso Nacional marcou para 2012 a data final para a extinção dos lixões, mas o ultimato não foi ouvido. E mesmo onde não há lixões, a coleta costuma ser deficiente, lixo e sujeira atravancam ruas – até mesmo com lixo orgânico, que responde por metade do lixo total.

Já são muitos os estudos que apontam para um forte crescimento das populações em áreas urbanas. Seremos mais de 7 bilhões de pessoas no mundo, dois terços dos quais em cidades. Até 2030 haverá no mundo 41 megacidades, cada uma delas com mais de 10 milhões de pessoas (Estado, 20/3), incluídas São Paulo e Rio de Janeiro. Pode-se tentar imaginar a dimensão dos problemas, partindo da gravidade de hoje.

Fonte: IHU